2007-09-16

...DA BEIRA ! ALGUNS POEMAS E UMA CARTA PARA AQUILINO

O MEU NOVO LIVRO SOBRE A BEIRA E SOBRE AQUILINO RIBEIRO.

Vai ter lugar no dia 19 de Setembro, a cerimónia da trasladação dos restos mortais do Grande Escritor para o Panteão Nacional. Iniciativa da Confraria Aquiliniana e da Assembleia da República. Participam Escritores, Professores Universitários e Políticos. E os seguidores do "Mestre" das Letras Portuguesas.

A propósito, tenho um livro acabado, mas ainda não publicado(procuro editora), do qual passo a dar a conhecer alguns excertos.


“A jornada foi longa e muitos dos que tinham rompido
marcha comigo ficaram no percurso, alma em pena e
clamorosa. Alguns, vítimas pela liberdade.(...) Adiante
e consideremos que para chegar a bom termo da viagem
é preciso ser livres” !

Aquilino Ribeiro, 1958
(Quando os lobos uivam)


“O homem não nasceu para trabalhar, mas para criar” ! Professor Agostinho da Silva





PREÂMBULO
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Sem ousar contestar o axioma desse grande Pensador que foi Agostinho da Silva, tenho para mim que o acto de criação não deixa de ser, em si mesmo, um momento de trabalho. Um esforço dos sentidos, certamente! Em qualquer circunstância, um trabalho muito especial que não “funciona” por meio de uma determinação oficial e com horário preestabelecido.
Acontece que, alguns dos momentos especiais da minha criação, me foram conduzindo aos Caminhos de Pedra, de Luís Veiga Leitão e às Terras do Demo, de Mestre Aquilino Ribeiro. Uma ousadia “atrevida” – dirão! E, eventualmente, com propriedade. Reconhecendo, embora, o atrevimento, acontece também que essas terras e esses caminhos são, de alguma forma, minha pertença. Por direito histórico, de nome, e por nascimento. Mas, sobretudo, porque a herança é património nacional. Por isso, acontece ainda que, por decisão da Assembleia da República, em Março de 2007, os restos mortais de Mestre Aquilino foram transladados para o Panteão Nacional.
Logo que a decisão foi conhecida, homens de letras como Baptista Bastos e Mário Cláudio congratularam-se. O primeiro confessou-se muito feliz e disse mesmo que Aquilino já há muito lá devia estar. O segundo salientou a dimensão de Aquilino Ribeiro, mas ressalvou que “não se promove o respeito pela sua obra, através de realizações deste tipo. Não há melhor homenagem do que ler-lhe os livros”.
Entendi eu a mensagem, não só tendo em conta a promoção da leitura da vasta obra Aquiliniana ( obrigação primeira das entidades educativas do país e ainda de instituições vocacionadas para a sua divulgação, como por exemplo o Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, a Confraria Aquiliniana ou a Biblioteca Municipal de Aquilino Ribeiro em Moimenta da Beira), mas também poder participar, mesmo que individualmente, na abertura de outros e actuais caminhos por onde o Mestre semeou fragmentos muníficos e rescendentes da língua portuguesa.
Daí, a minha sadia ousadia de invocar Aquilino e de escrever ao Mestre. Com palavras minhas, mas também “plagiando” as dele, que são nobres e de grande dimensão.
Como por exemplo estas, de um prólogo do Natal de 1940 ao livro de C. Manuel Fonseca da Gama “Terras do Alto Paiva” – uma memória histórico-geográfica e etnográfica do concelho de Vila Nova do Paiva: (…) “A Serra é agreste, primitiva, mas tem carácter, sem dúvida. Comprazes-te em pintar-lhe as virtudes e encantos sem sombras, e não serei eu que te acoime de parcial. As tintas escuras são para o novelista e tens razão. De-certo que eu, ao chamar-lhe Terras do Demo, não quis designá-las por terras do pecado, porque o pecado seja ali mais grado ou revista aspecto especial que não tenha algures. Nada disso. A Serra é portuguesa no bem e no mal. Chamei-lhe assim porque a vida ali é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural, sobrecarregada pelo fisco mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência. Só por isto”.

Vire a página e acompanhe-me.


Da terra seca nasce o Demo
Das pedras escamadas nascem anjos
E a luta de quem vive é uma constante !





AO MESTRE AQUILINO
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As serras são da Beira Alta
Viradas à Beira Douro.
Aquilino desceu por elas para salvar as ideias
Escondeu pedras e lobos
Na terra fria de medo
Granita alma voz dos povos
Gritada sempre bem cedo.

Saltou as águas do rio alimentadas de neve
Levou o Demo consigo
Para mais nem tempo teve
Voltou mais tarde um amigo
Das pedras e alcateias
Habitantes condenados ao exílio
De toda a Serra da Nave.

Naquele tempo suave
De novo levou bem preso à cintura da memória
Bornal cheio de letras
Muitas penas muitas dores
Dos animais e das giestas
Das lebres a fugir dos caçadores
Para a toca de uma vida sem as bestas.



Aquilino passou a vau muitos ribeiros
Temperou da serra a poesia
Palavras rudes de uma fala muito nobre
Sem cuidar de ser admirado
Por outros , muitos ou poucos criticado.
Ergueu sempre acima do ser pobre
A Língua nossa património não vergado
Mas mal tratado, tão mal amado.
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Moimenta da Beira
11 de Novembro de 2006


Tudo me pertence

Porque esta é a terra de meus pais
Aqui nasceram e repousam meus avós
Sou deles fruto gerado em tantos ais
Que tudo me pertence sem ser meu.

Da casa onde nasci nas “Cinco Ruas”
À memória de uma Vila toda inteira
Sou herdeiro da poesia dos sons
Da poesia dos ecos na pedreira
Da mansidão dos gestos
Da eterna poesia dos sentidos
Do doce aroma das tílias centenárias
No velho campo da Feira.



As palavras de um poeta deslizam pelas teclas do computador e vão directas ao coração dos sentidos e às artérias dos sonhos. Só pode ter sonhos quem utiliza a “palavra”. Lendo, escrevendo, passeando o peso de cada letra. Apaixonadamente! E depois… é seguir o vento, os caminhos da imaginação, um tele-transporte ao infinito do pensamento e das coisas que não são deste mundo.


Serra da Nave
3620 – PORTUGAL


Ilustre Mestre

Esta é uma carta retirada das gavetas do tempo. Aproveitando a poeira de toda a sabedoria que depositou nas mentes abertas deste país iletrado, um simples sopro me vai permitir passar os limites espaciais e chegar até junto de si. Bem vistas as circunstâncias, agora até é mais fácil, repousando os seus restos mortais no Panteão Nacional, em Lisboa. Tardou, mas nunca é tarde demais para repor a dignidade. Do Homem e da Obra! Um grande Homem, um grande Escritor um Grande Português, quaisquer que sejam os critérios de análise, não sendo exagero tomar como ponto de partida um inédito de Pessoa recentemente revelado : “Grande homem é o que impõe aos outros o seu próprio sonho, os seus próprios sonhos. Para lhes impor os seus próprios sonhos tem, por isso, que sonhar sonhos que eles tenham, de certo modo, entressonhado para que deveras eles possam recebê-los” . Embora para além do tempo dos seus sonhos, mestre, os portugueses acabaram por receber pelo menos a liberdade de sonhar e de pensar.
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E como calcula, Mestre, as reacções a tal decisão foram desencontradas, o que é natural, mas algumas – felizmente poucas – elegeram o ataque soez e rasteiro. Quem dera que as novas tecnologias de informação e comunicação – as designadas TIC – agregadas ao mais elevado satélite e à cadeia de sondas que vão sendo espalhadas pela Lua, Marte ou Saturno lhe conseguissem fazer chegar aí, a esse espaço sideral para lá do Céu, o eco das reacções neste novo Portugal, parte inteira de um novo mundo mas sempre de esperança adiada. E, por vezes, também traída! Nesta sua Serra da Nave, praticamente incólume no seu espírito de liberdade mas a merecer ainda os adjectivos com que baptizou as Terras do Demo, a vida continua a ser dura e pobrinha. No entanto, o engenho dos homens foi facilitando os acessos, o que, de certa forma, mingua as dificuldades mas, simultaneamente, continua a favorecer a acção do “fisco” cada vez mais insensível ao fadário da existência. É certo que as antenas dos telemóveis e as torres dos novos moinhos de vento estão a modificar a paisagem. Essas torres armazenam energia, cada vez mais cara porque muito mais rara no subsolo e no caudal dos rios. Por acção irreflectida dos homens, é certo, embora deva reconhecer que o novo Poder Local tem feito um grande esforço para o desenvolvimento sustentado dos seus municípios, ressalvando as inevitáveis excepções. Mas tem havido investimento, particularmente nas áreas da Educação e do Desporto e na resolução das carências sócio-culturais. Em Moimenta da Beira (Vila que viu aumentada sobremaneira a sua área urbana), por exemplo, tomou forma um desejo dos anos de 1950 e 1960 (que ainda partilhou nomeadamente com o Padre Bento da Guia e com o Dr. Amadeu Baptista Ferro) – a excelente e funcional Biblioteca que leva o seu nome. E em V.N. de Cerveira, ponto do seu trajecto no Alto Minho, entre a Casa Grande de Romarigães em Paredes de Coura e A Guarda, na Galiza, igualmente uma excelente Biblioteca, à semelhança de muitas outras disseminadas pelo país. Mas a grande transformação de Cerveira deveu-se a uma aposta arriscada nas artes, sendo hoje um pólo importante no mapa das Bienais de todo o mundo. Por acção dos autarcas, respaldados na capacidade de grandes nomes da cultura, como Jaime Isidoro, Júlio Resende ou José Rodrigues.
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Apesar dos anos conturbados da 1ª República e das décadas de ditadura que se lhe seguiram, o que não é novidade para si, a República renasceu a 25 de Abril de 1974, ainda por acção dos militares mas, desta vez, no sentido que se supunha ser da esperança, do progresso e do bem-estar. Repostas as liberdades e terminada a Guerra Colonial, seguiu-se a Descolonização dos territórios portugueses em África e na Oceânia. Não foi uma descolonização exemplar e, não sendo uma tragédia incomensurável, marcou negativamente os primeiros anos da “liberdade” e abriu “fendas” na sociedade portuguesa. Contudo, também é verdade que os avanços de qualquer sociedade se fazem à custa de revoluções e de rupturas. Por isso, o caminho não tem sido fácil. E entre avanços e recuos, glória aos políticos que conseguiram a “almofada” da agora chamada União Europeia (ex-CEE à procura de um rumo político comum já para 27 países!), sem a qual, provavelmente, de novo teríamos caído nos males da 1ª República. Apesar de todos os apoios – e foram muitos – as sucessivas gerações dos políticos portugueses não foram capazes de “estabilizar” o país, de modo a suavizar tempos difíceis como os que atravessamos no mundo de hoje:
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Porque esta nova República, saída do 25 de Abril de 1974, não conseguiu ainda o necessário equilíbrio entre a vida nas grandes cidades do litoral e a existência nas terras do interior – a somar aos sinais de uma crise moral e cívica grave – um grupo de cidadãos do Porto, integrantes do “Centro de Estudos Republicanos Sampaio Bruno” (honra à memória do Professor Universitário e Político José Augusto Seabra), fez publicar em 31 de Janeiro de 2003 um “Manifesto Cívico Pela Moralização da República”. Na avaliação da crise, referenciavam ainda raízes históricas, mas alertavam para a carência de Educação Cívica; para a “ditadura financeira” e para o dinheiro fácil ; e para a prioridade nacional que era – e continua a ser – a mudança de mentalidades! O Manifesto terminava dizendo que “…A moralização da República impõe-se, hoje, como um imperativo categórico nacional, à consciência dos cidadãos bem formados. Na verdade, se a República não é já – como escrevia Bruno – uma utopia de sectaristas ferrenhos, de puritanos, ela deve e pode, face à degradação reinante, guiar a terapêutica social, corrigir a patologia colectiva, enquanto expressão de uma angústia comum, que é a dos Portugueses que vêem a República ameaçada e com ela a democracia por que os republicanos tanto lutaram e que o povo português fez sua, ao reconquistar a lusitana antiga liberdade, sempre nova e aberta ao futuro”.
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E na preservação da memória, foi a minha natal Moimenta da Beira (mais do que Vila Nova de Paiva ou Sernancelhe) que me ofereceu algumas notícias e imagens da sua vivência, dos seus amigos, das suas inquietações. E nas páginas da segunda série do jornal “O Correio Beirão”, dirigido pelo jornalista Rui Bondoso, pude recolher algumas notas que não quero deixar de partilhar.
Em primeiro lugar para falar da “natureza”, talvez um dos aspectos menos estudados da obra de Aquilino. De alguma forma já abordámos a serra e o mar, ficando mesmo a ideia de que o mestre “sabe pintar o mar melhor do que ninguém”. Eu, apenas como leitor, reconheço nos seus livros uma sucessão de amores, uma sequência de imagens, uma reprodução de paisagens – cada uma mais eloquente do que as outras. António Frias , colaborador assíduo daquele Jornal de Moimenta da Beira, lembrou nos anos de 1980 que a natureza, na obra do mestre, “… não se limita a ser cenário. Ela é tão privilegiada pelo autor como as personagens humanas, está sempre presente, desempenha também o seu papel, expresso através do poder verbal do seu criador, tão original como poderoso, numa sucessão de imagens que, só por si, é um mundo deslumbrante”. Lembra-se, mestre, do seu desafio : “Querem retemperar a nação e a raça? Arborizem, arborizem a serra…”.
Baptista Ferro , nessa época, traçava nas páginas do jornal um Itinerário Aquiliniano (que incluía V.N.Paiva, a Serra da Lapa, Soutosa, Moimenta, a barragem do Vilar) e revelava que as suas relações com o mestre foram estabelecidas, sobretudo, através do Correio Beirão – naturalmente a 1ª série, nascida em 1956. Competia ao modestíssimo jornal, escrevia o Dr. Ferro, um dever de gratidão e de admiração para com Aquilino, dado o seu estatuto de grande trabalhador das letras. E alguns anos antes das comemorações do cinquentenário de labuta literária do mestre (talvez Outubro de 1959), já o jornal exortava os moimentenses a perpetuarem a “…estima e gratíssima admiração por um dos seus conterrâneos mais ilustres, dos mais altos valores de todos os tempos”. Foi então lançada a ideia da construção de uma biblioteca, que levaria o seu nome, iniciativa aplaudida no país e que sensibilizou o escritor, ao responder às intenções : “… essas, nesta já muito longa carreira de homem de letras são das que nos reconfortam e aquecem o coração” !
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Não quero terminar e perdoe a extensão da minha prosa pouco cultivada, sem lhe referir duas perdas no âmbito das suas relações no quotidiano dos vivos : - em Novembro de 1986, “partiu” José Bernardo dos Santos, que o mestre popularizou como o “Gil Sapateiro”. Este seu companheiro de horas difíceis faleceu em Soutosa, vítima de muitas rugas da vida ganhas na fuga às autoridades e na clandestinidade, consigo, enfrentando as intempéries da Serra da Nave. No ano seguinte, deixou-nos um dos seus últimos camaradas, José da Costa Pinto, também em Soutosa. Natural de Castro Daire, era mais conhecido por “Mestre Zé” e pedreiro de profissão. Para além da sua arte, bem patente na Capela de Soutosa e na vala da água da serra, possuía como qualidades a força e a valentia mas também, no testemunho do advogado Adelino Caiado, uma “sensibilidade de criança e de altruísmo”, manifestada no amor aos animais e na dedicação e solidariedade. Vê-se que foram bem seus camaradas!
Nesta altura de júbilo em que se repõe o teu nome no túmulo dos maiores, deixo à sua reflexão estas notas de memória, de sonhos e realidade. Na Nobreza do Panteão continua a ter todo o tempo do mundo para reflectir. E na verdade…TALVEZ ALI ESTEJA MAIS PROTEGIDO DAS VICISSITUDES DA NOSSA APRENDIZAGEM DEMOCRÁTICA.
Serra da Nave, Setembro de 2007
Este seu leitor e admirador
António Bondoso

2 comentários:

José-Augusto de Carvalho disse...

Meu prezado António Bondoso, aplaudo a homenagem que presta a Mestre Aquilino.
Grande abraço.
José-Augusto de Carvalho

Unknown disse...

Bela e sentida homenagem, companheiro!
Abraço